Comunicação em ONGs e movimentos: o desafio da visibilidade pública
Jornalismo

Comunicação em ONGs e movimentos: o desafio da visibilidade pública


Alunos do Instituto Criar de TV, Cinema e Novas Mídias





por
Michelle Prazeres*

O trabalho de jornalistas (eu prefiro o termo mais amplo, comunicadores) em organizações da sociedade civil e nos movimentos sociais é uma novidade dentro das próprias organizações, na política e no campo de trabalho dos comunicadores sociais. Isso vale tanto para aqueles que querem ingressar nesta carreira, quanto para aqueles que, em redações, passam a ter nestes sujeitos políticos “novas” fontes de informação.

Isso se dá, porque estas organizações - ainda que atuantes no Brasil desde a década de 60 – passam a fazer parte do cenário político nacional e internacional a partir da década de 70, com o crescimento e fortalecimento do número de entidades e também com a redemocratização do país e com a possibilidade de se afirmarem enquanto sujeitos políticos.

Ou seja, as organizações, enquanto setor da sociedade, passaram da clandestinidade para a cibercultura. Da necessidade de se esconder para a visibilidade como condição de sobrevivência e construção de sua legitimidade política. Este é um salto grande, que merece uma reflexão.

Hoje, as organizações e movimentos** sabem da importância da comunicação como estratégia de presença e visibilidade pública, que garantem notoriedade e reconhecimento para o seu projeto político. Ou seja, as coisas não estão descoladas. Comunicação e projeto político caminham juntos, e a comunicação é um dos pilares da atuação política de organizações e movimentos.

Ainda assim, são poucas as organizações e movimentos que conseguem ter setores de comunicação fortes, estruturados e com capacidade de produção e intervenção na cena política.

Frentes de atuação

As organizações e movimentos atuam em diversas frentes de comunicação, seja ela instrumento, estratégia (de articulação, de mobilização) ou política. Podemos citar algumas delas: 1. produção de comunicação, através de seus meios próprios (sites, jornais, boletins, etc); 2. intervenção na mídia, buscando pautar veículos em relação a temas e bandeiras de luta e monitorar a cobertura dos meios de comunicação em relação a assuntos específicos; 3. mobilização, buscando ocupar o espaço público para obter visibilidade; 4. comunicação “interna”, com parceiros, sócios e financiadores; e, por fim, 5. luta pela democratização da comunicação e pela comunicação como direito.

Claro que ainda há outras variações e frentes, como, por exemplo, a comunicação como instrumento de expressão política, como é o caso das organizações que trabalham com jovens comunicadores ou com produção e leitura crítica da mídia nas escolas.

É claro que esta separação em frentes é arbitrária e parte da minha prática enquanto jornalista que já trabalhou em diversas organizações, que, em jornais, já cobriu este setor e que, como pesquisadora, estuda a comunicação como estratégia política de organizações e movimentos. Inclusive, é preciso ressalvar que, justamente pelo fato de a profissão ainda não ter “acordado” para este setor enquanto mercado de trabalho, as universidades ainda não dão conta desta área na formação de novos jornalistas: nem para atuar neste mercado, nem para criar uma cultura de consultar organizações e movimentos como sujeitos ou fontes de suas matérias e investigações.

Em diálogo com colegas comunicadores que trabalham a frente de organizações e movimentos, já constatei que muito do trabalho que fazem é experimental e tem como referências valores e princípios do mercado jornalístico, que vão – na prática e processualmente – sendo adaptados e moldados para um novo cenário, com novas lógicas e novas condições de trabalho. Isso não vem sendo ensinado nem aprendido nas escolas de comunicação.

Função

O papel de um comunicador à frente de uma ONG ou movimento social é ficar atento às múltiplas dinâmicas que envolvem seu trabalho: buscar intervir no debate público, mas, por outro lado, desenvolver meios próprios de comunicação e construir a intervenção no cenário da mídia no país, lutando para ampliar as vozes no debate público. Isso tudo, usando técnicas e instrumentos que devem ser todo tempo adaptados a um mercado que não está totalmente estruturado e nem sempre é viável financeiramente.

Para os que trabalham em redação e querem cobrir temas relativos a este campo, é importante reconhecer nestes sujeitos políticos fontes para os assuntos de interesse público. E reconhecer, igualmente, as limitações do trabalho destas organizações, nem sempre estruturadas para dar conta do ritmo e da agilidade que uma redação exige.

Comunicar e dar visibilidade a assuntos que mexem com a estrutura da sociedade, que desafiam empresas e governos e que buscam dar alguma legitimidade à comunicação alternativa, popular e comunitária no país não é tarefa fácil. Ainda mais no nosso país, que sabemos, tem uma comunicação majoritariamente comercial, concentrada, monopolizada e – por isso –
construída com base em interesses privados.

Mas para quem, como eu, fez faculdade de jornalismo para mudar o mundo, é um trabalho extremamente desafiador e prazeroso. Justamente, porque cotidianamente, tenho certeza de que mudar a comunicação é mudar o mundo.

Confesso que não foi tarefa fácil igualmente produzir este texto, buscando sintetizar em algumas linhas uma reflexão que faço há mais de dez anos na vida profissional e acadêmica. Mas espero que esta conversa possa prosseguir. E deixo meus contatos para que isso de fato aconteça.


Twitter: @miprazeres
E-mail: [email protected]



Algumas referências

Observatório da Imprensa - http://www.observatoriodaimprensa.com.br/
Observatório do Direito à Comunicação - http://www.direitoacomunicacao.org.br/index.php?
Observatório da Educação - http://www.observatoriodaeducacao.org.br/
Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB - http://www.lapcom.unb.br/
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social – www.intervozes.org.br
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – www.fndc.org.br

* Michelle Prazeres é jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutoranda em educação (FE-USP). É autora do livro “Um mundo de mídia – diálogos sobre comunicação e participação” (Ed. Global. 2009).

** Note que uso todo tempo esta expressão “organizações e movimentos”. Sabemos que dentro deste campo político, existem muitos tipos de organizações e de movimentos, mas, buscando uma categoria comum, para falar de estratégias de comunicação, encontramos nesta a melhor expressão. Ainda assim, é preciso ponderar que meu conhecimento e minha prática foram construídos em contato com algumas organizações de um campo político específico (da luta pela efetivação e garantia de direitos humanos). Portanto, igualmente, as referências sobre o papel da comunicação estão circunscritas neste marco.



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