Contrato ou promessa? Um debate na França.
Jornalismo

Contrato ou promessa? Um debate na França.



Foto: http://www.comune.torino.it

Depois de quatro curtos meses, voltamos com uma discussão atual nas areas de Comunicação e Analise do Discurso (AD) na França, onde atualmente fazemos doutorado-sanduiche e de onde resolvemos fazer um outro blog em francês (genres-journalistiques).

Um dos debates acadêmicos mais pulsantes daqui gira em torno das noções de: contrato e promessa. No centro da discussão, os pesquisadores Patrick Charaudeau, defensor da noção de "contrato de comunicação" (1995), e François Jost, que cunhou a noção de "promessa" (1999) em substituição à de "contrato", categoria tão central quanto polêmica para a AD.

A questão chave é: o contrato de comunicação sugere que o interlocutor (leitor, ouvinte, telespectador, usuario, participante) aceita e "assina" as condições da situação comunicativa, reconhecendo finalidades (visées), identidade, o dominio do saber, dispositivo e modo de enunciação; enquanto a promessa implica apenas o produtor do ato comunicativo, deixando o interlocutor livre em reconhecimentos e interpretações. Com a noção de contrato, o telespectador de um telejornal seria telespectador se, e apenas se, ele aceita o acordo de fazer parte de atos comunicativos com a finalidade predominante de informar. No caso da promessa, o telespectador é visto também como aquele que assite ao telejornal para gravar imagens para um trabalho cientifico.

Contrato

Herdeira da noção de contrato de leitura, introduzida e desenvolvida, na Comunicação, por Eliseo Véron, a concepção de contrato de comunicação nasce do "duplo processo de semiotização do mundo", de Paul Ricoeur (1983). De maneira simplista, a semiotização do mundo teria um duplo processo: 1) de transformação, quando um sujeito transforma um "mundo a significar" em um "mundo significado"; e 2) processo de transação, que faz do "mundo significado" um objeto de troca com outro sujeito. O processo de transação seria a base do contrato de comunicação: "(...): non seulement on ne peut plus se contenter des opérations de transformations pour elles-mêmes, mais il faut considérer celles-ci dans le cadre imposé par le processus de transaction, cadre qui sert de base à la construction d'un "contrat de communciation"" (Charaudeau: 1983: 101)

Charaudeau define contrato de comunicação como: "(...) o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer ato de comunicação (qualquer que seja sua forma, oral ou escrita, monolocutiva ou interlocutiva). O que permite aos parceiros de uma troca linguageira reconhecerem um ao outro com os traços identitarios que os definem como sujeito desse ato (identidade), reconhecerem o objetivo do ato que os sobredetermina (finalidade), entenderem-se sobre o que constitui o objeto tematico da troca (proposito) e considerarem a relevância das coerções materiais que determinam esse ato (circunstâncias). (...)" (Charaudeau, Mainguenau: 2004: 132)

A troca comunicativa se organizaria em dois espaços, um interno, do texto, e um externo, das condições de produção. O espaço interno é da ordem do "modo de organização" do discurso, ou seja, descritivo, narrativo, argumentativo. No espaço externo se manifestariam a finalidade, que consiste em responder a questão "estamos aqu para fazer ou dizer o quê?"; a identidade dos participantes, determinada por aspectos individuais (como sexo) e do sujeito social (lugar social, econômico e cultural); o dominio do saber, aquilo do que se trata; e o dispositivo, formado de materia (na qual toma forma, adquire corpo e se manisfesta o significante), o suporte (canal de transmissão) e uma tecnologia (conjunto de equipamentos que regula a relação entre os elementos do material e do suporte).

A dimensão contratual do contrato de comunicação diz que os participantes do ato comunicativo devem se entender sobre os nomes e convenções que permitem se produzir uma certa intercompreensão. Ja a noção de promessa não aceita o engajamento do interlocutor subentendido no contrato. "Contrairement au contrat, qui engage toutes les parties qui le signent, la promesse est un acte unilatéral qui n'engage que celui qui promet: "C'est un énoncé qui fait ce qu'il dit: dire "je promets", c'est faire une promesse" (Ricoeur). On dit aussi que la promesse n'engage que celui qui la croit. (...)" (Jost: 1999: 20)

Como a logica do "poder simbolico" de Bourdieu, François Jost procura resolver um incômodo, pra não se dizer descrença, na face contratual da noção de contrato. Se, por um lado, ha toda uma estratégia discursiva, imagens contruidas, convenções; por outro, a noção de contrato subentende o interlocutor mais como destinatario do que enunciatario, ou seja, um 'leitor' proximo do 'leitor ideal' (Eco).

Para Jost, cada gênero discursivo seria uma promessa, ja que o gênero é o que nos permite identificar o que nos queremos; o gênero permite agir sobre o telespectador (Jost dedica-se mais especificamente à televisão). Pelo caminho oposto, então, se a promessa é de informar, então se trataria de gênero informativo. Perspectiva proxima dos estudos de gêneros jornalisticos no campo do jornalismo no Brasil.

Proposta de Lochard e Soulages

Também pesquisadores dos gêneros televisivos (media que concentra mais estudos na França), Guy Lochard (1998) e Jean-Claude Soulages resolvem o dilema situando promessa e contrato em niveis. Ele acredita que, enquanto o contrato se estabelece de forma gradual, a promessa se estabelece no nivel do gênero: "Plus effective est par contre une troisième différence avec la théorisation de Jost. Celle-ci se situe au niveau de la structuration de la relation communicative avec le destinataire. L'établissement de la s'établit dans sa perspective au niveau du genre. Le s'établit de façon plus graduelle et d'abord à un premier niveau, nécessairement plus géneral, qui recouvre en fait différents (...)" (Lochard e Soulages: 1998: 87)

Nossa compreensão

A questão chave esta no nivel de reconhecimento (Bakhtin) e engajamento do interlocutor. Ha consenso sobre duas afirmações: 1) o participante do ato comunicativo nem sempre 'assina embaixo' sobre todas as condições do contrato; e 2) o interlocutor reconhece convenções por marcas do discurso. O problema esta em saber: o que o interlocutor deve reconhecer para o sucesso (pragmatica) do discurso.

A idéia de "crença" é interessante por que implica todos os interlocutores de forma generalizada. A idéia de "reconhecimento" de condições, embutida na noção de contrato, nos parece indispensavel para o sucesso do ato comunicativo. Entretanto, o "reconhecimento" não precisa significar engajamento. Um interlocutor pode reconhecer finalidades e identidades, mas se colocar incrédulo sobre o cumprimento do enunciador quanto a estas finalidades. Um interlocutor pode, tambem, nao reconhecer nem mesmo finalidades, se, por exemplo, mesmo lendo o jornal impresso NRC.next, ele não entende o titulo "Op Bea zit de grootste marge".

Pode-se reconhecer as "promessas" de um discurso e, ao mesmo tempo, não se crer nelas. O objetivo é informar, mas não é o que ocorre aqui, como para a maioria dos baianos quando se trata de editoria de politica do Correio da Bahia, jornal da familia carlista. Mesmo os carlistas sabem que o discurso é politico e não jornalistico.

Pode-se ainda crer em "promessas" que, na verdade, não estão postas. Se colocar em frente à Tv para se divertir com o modelito insinuante de uma apresentadora da France 2. O ultimo objetivo deste quesito do cenario, diagamos assim, seria divertir.

Entretanto, com certeza, se não ha reconhecimento de certas condições, não ha sucesso por parte do enunciador, nem interlocução valida para o enunciatario. Não que se reconheça todas as condições, mas, de fato, o reconhecimento, pelo enunciatario, da finalidade do discurso é basico para o enunciador. Ja a identidade, depende das estratégias do discurso.

Enfim, acreditamos que ha uma diferença importante entre "crer" e "reconhecer". A crença não leva em conta a dimensão institucional da relação de comunicação, enquanto o reconhecimento, ao mesmo tempo em que não implica necessariamente o interlocutor, requer um conhecimento prévio, institucionalizado. Quem "reconhece" distingue entre outros. Quem "crê" estabelece uma convicção em determinado momento, sem que tenha conhecimento prévio do que se trata.

Nota: Acentos agudos em falta são o reflexo do uso do teclado francês.

Referências bibliograficas:
CHARAUDEAU, P. (1983) Langage et discours. Éléments de sémiolinguistique (Théorie et pratique), Hachette, Paris.
__________. (1994) Le discours de communication de l information mediatique, in : Le Français dans el Monde, numéro spécial, Paris, Hachette/Edicef, Julliet 1994.
_________. (1995) Une analyse sémilinguistique du discours. In: Langages, Paris Larousse, mars, 1995.
_________. Le discours d’information médiatique. Paris. Nathan/INA, 1997.
________. Visadas discursivas, gêneros situacionais e cosntrução textual, in: MACHADO, I.L. & MELLO, R. (orgs) Gêneros: Reflexões em Análise do Discurso. Belo Horizonte, NAD/FALE/UFMG, 2004.
__________. Les conditions d'une typologie des genres télévisuels d'information, revue Réseaux n°81, CNET, Paris Janvier-Février 1997. Disponível em http://www.enssib.fr/autres-sites/reseaux-cnet/81/05-chara.pdf.) Acesso em junho de 2004.
__________. Discurso das mídias. São Paulo, Contexto, 2006.

CHARAUDEAU, P. e MAINGENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. Trad. Fabiana Komesu, São Paulo, Contexto, 2004.

JOST, François (1999) Introduction à L'analyse de la Télévision. Paris, Ellipses, octobre, 1999.

LOCHARD, Guy e SOULAGES, Jean-Claude (1998) La communication télévisuel. Paris, Armand Colin, 1998.



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