Jornalismo
Lições de vida socialista: A vítima, é a cigarra.
Um dos argumentos às vezes esgrimidos por políticos do PS (e até por alguns comentadores…) para desculpabilizar a gestão socialista entre 2005 e 2011* - que culminou com o pedido de ajuda à Troika e cujos efeitos estão aí para durar... -, é a invocação de alguma responsabilidade imputátel às instituições europeias por, alegadamente, terem incentivado as políticas seguidas.
É sobre (mais) esta falácia, usada com alguma frequência na agenda mediática, que hoje vamos falar.
Este post surge na sequência de uma troca de opiniões com RCAS, um comentador habitual na caixa de comentários do Blasfémias.
NOTA: Um cumprimento especial a RCAS pela forma educada e cordata, como expõe as suas opiniões. Só para exemplificar, deixo 2 comentários com que fui “presenteado” nas últimas 24h: “És boy do Passos e pagam-te para isto ou és só mais um idiota inútil ??” ou “Jornalismo assim és filho de nazi e Pide dá um tiro nos cornos.”…
RCAS, em defesa da gestão socialista, tinha referido os défices públicos reduzidos nos anos de 2006 e 2007. Repliquei, referindo a massiva desorçamentação (imagem de marca de Sócrates, já aqui abordada), assim:
”…a muita despesa inscrita no OE que foi sendo transferida para empresas públicas (área dos transportes, saúde, estradas de Portugal… a era dourada dos swap), fundações (negócio do Magalhães, por ex.) e outras entidades.
Como [RCAS] bem disse, foi sendo feito investimento com impacto positivo na economia, mas também como o caro RCAS sabe, essas obras foram lançadas com um período de carência de 5 anos. Ou seja, o empreiteiro com dinheiro da banca (bem remunerado, claro…), fez a obra e só 5 anos depois o Estado começa a pagá-la… Isto é, injeta-se dinheiro na economia, criam-se um postos de trabalho, cobram-se uns impostos, fazem-se belas festarola para inaugurar a obra e passar no telejornal… 5 anos depois (2012 para a frente) ficam auto-estradas onde não passa ninguém, as portagens, mais desemprego e é altura de pagar a obra!
Repare RCAS, se o défice real fosse efetivamente o que menciona no seu comentário (2,8%) como explica que entre 2005 e 2010 tenha sido acumulada uma dívida superior a 90.000 milhões €?!”
A resposta veio assim:
“O meu amigo não deixa de ter uma certa razão, na transferência de despesa para as empresas públicas! esta criatividade, só foi possível pelas regras do Eurostat vigentes até aí, tendo permitido até esse momento que todos os governos pudessem se quisessem ser criativos!
Quando em 2010 o Eurostat mudou as regras, o défice previsto que era de 6,8 passou imediatamente com a alteração das regras para 9,1!”
Ora, esta imputação de "culpas" às instituições europeias, faz tanto sentido como aquele ladrão que se desculpa com um assalto, porque o dono da casa deixou a janela aberta!
Vejamos, Portugal e os restantes parceiros europeus, aquando da entrada para o euro, comprometeram-se com o cumprimento de duas regras essenciais: os Estados Membros tenham um défice orçamental anual não superior a 3% do PIB e uma dívida pública abaixo de 60% do PIB (Critérios de Convergência de Maastricht).
O que fizemos nós, portugueses, relativamente a este compromisso? A frase “Há mais vida para além do défice”, resume tudo…
Queixamo-nos que alemães e nórdicos, “olhem de soslaio” para o Sul da Europa: mas, caramba!, que outra conclusão poderão eles tirar?! Se até o Presidente da República (Sr. Sampaio) fez, na prática, “letra morta” de compromissos assumidos internacionalmente pelo País, se permitimos que a dívida fosse crescendo 10% ao ano e nunca cumprimos com qualquer meta de défice, aliás, se mesmo os défices “oficiais” que cumpriam esse critério, fizeram-no à custa de truques contabilísticos! (por muito que custe reconhecê-lo...)
Esta é a realidade. Por isso, voltando ao comentário de RCAS e à “mudança de regras” do Eurostat - não existiu qualquer mudança de regra! O que existiu, foi uma alteração de método de contabilização dívida (mais) “à prova” das manigâncias financeiras que portugueses e gregos, se especializaram em fazer.
O buraco – a diferença entre despesa e receita – esteve lá sempre!
Dentro desta linha de raciocínio do "défice que cresceu porque o Eurostat mudou as regras”, para desculpabilizar a pilha brutal de dívida deixada pelo consulado socrático, também é frequente ouvir ilustres comentadores referirem que as opções então tomadas pelo governo socialista*, contaram com o encorajamento da Comissão Europeia e do seu “apelo a mais investimento público para combater a crise”.
Também aqui é preciso contextualizar e recordar que o mesmo tratado subscrito por Portugal, prevê a possibilidade de serem temporariamente aceites défices superiores aos 3 %, designadamente, em caso de recessão. É, obviamente, neste contexto que se inseria o apelo ao investimento, feito aos estados membros pelas instituições europeias. Ouviram algum responsável europeu dizer, que o défice e a dívida, deixaram de ser importantes?!
Infelizmente, porque não fizeram o seu “trabalho de casa”, alguns países não estavam em condições de o fazer e, como no conto da formiga e da cigarra, ficaram completamente expostos à crise…
Podemos criticar a lentidão e a hesitação como que as autoridades europeias responderam à crise, mas, atribuir a essas entidades a responsabilidade pelos desastres financeiros como as PPP rodoviárias, o Parque Escolar, o Aeroporto de Beja e outros, só denota uma irresponsabilidade muito nossa, muito portuguesa – não temos obrigações e deveres, só direitos.
(uma boa parte, consagrados constitucionalmente...)
* O autor deste blog entende que Sócrates, embora não sendo o “culpado de tudo”, é o principal responsável pela atual crise.
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