Jornalismo
O que é preciso para ser um "falhado"?
Uma das mensagens constantemente repetida pelas “magnas” redacções e diariamente lançada na agenda mediática, relaciona-se com a constante "derrapagem" das contas públicas. Em certa medida, essa derrapagem é factual, mas este post no (Im)pertinências ajuda-nos a perceber como é manhosa e desonesta, muita da “informação” debitada a este respeito.
SERVIÇO PÚBLICO: Duas dúvidas existenciais sobre o agravamento do défice em 600 milhões a melhoria do défice em 200 milhões
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Este diagrama sobre as contas públicas até Abril, de Paulo Trigo Pereira, publicado num seu artigo no Público, é tão autoexplicativo que dispensaria comentários. Ou talvez não, uma vez que os mídia, praticamente sem excepções, não perceberam nada do que se passou. Só algumas chamadas de atenção.
Do lado da receita, não há surpresas; os impostos directos aumentam 18% em resultado do aumento das taxas de IRS e os indirectos diminuem 4% pela quebra do consumo; as contribuições para a segurança social aumentam 4% devido à componente CGA;
Do lado da despesa tudo aumenta, como seria de esperar, porque as reformas do Estado estão à espera do guião/argumentário do Dr. Paulo Portas; o aumento das despesas com o pessoal explica-se devido à antecipação do subsídio que representará 320 milhões – sem isso as despesas com pessoa teriam baixado de 148 milhões; as despesas de saúde reduzem-se ligeiramente o que num contexto de aumento sistemático desde há décadas é mais positivo do que parece; as outras despesas (uma parte será investimento) aumentam sem que se perceba porquê.
O saldo positivo aumentou 128 milhões e, corrigido do efeito do subsídio, aumenta 448 milhões.
Nas contas da Segurança Social e CGA, o aumento conjugado das pensões foi de 10,6% ou 716 milhões; sem surpresa, os subsídios de desemprego aumentaram 14%; corrigindo dos 563 milhões dos duodécimos do subsídio, as pensões teriam aumentado apenas 153 milhões e o saldo negativo teria sido reduzido de 8 milhões.
Em resumo: o agravamento do défice de 683 milhões, corrigido do efeito da antecipação do pagamento do subsídio de cerca de 320 + 563 = 883 milhões, transforma-se numa melhoria de 200 milhões.
Feitas estas contas de mercearia, acessíveis a um motorista de táxi com a antiga 4.ª classe, ficam-me duas dúvidas existenciais:
- O caso do jornalismo de causas, que unanimemente passou ao lado destas elementaridades clamando um aumento colossal do défice, é um caso de incompetência pura ou explica-se apenas pela completa ausência de escrúpulos?
- O caso do governo ser incapaz de explicar isto decentemente é um caso de incompetência pura ou explica-se por andarem ocupados a escrever o guião/argumentário da reforma do Estado?
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Vamos entrar no 2º semestre de 2013 e mais desvios surgirão… Para lá dos efeitos directos da reposição dos subsídios no aumento de despesa nas contas públicas (consequência do veto do Tribunal Constitucional aos cortes nos subsídios de funcionários públicos e pensionistas com rendimentos superiores a 1.350 €), outro aspecto que os Srs. jornalistas não entendem (por falta de capacidade e/ou preconceito ideológico) prende-se com o efeito recessivo que as medidas de substituição entretanto adoptadas. A este respeito, recorde-se o que em 10 de Abril se escrevia aqui no blog:
“É (e será) impossível sair do marasmo económico em que Portugal se encontra, sem beliscar a "lei fundamental". Esta é a clarificação que não pode mais ser adiada e, por isso, Passos comete um erro em não bater já com a porta e permitir que este logro se arraste. Os cortes alternativos (a conhecer nos próximos dias) terão um impacto mais recessivo sobre a economia que os cortes chumbados pelo TC, porque recairão sobre os agentes mais fragilizados neste momento económico: as pequenas e médias empresas. Muitas empresas fornecedoras do sector público estavam já no seu limite e, nova contracção do cliente Estado, atirará muitas delas para a falência... O resultado: menos receita para o Estado e mais despesa com subsídio de desemprego. Em suma, a relação - nunca explorada por comentadores e jornalistas -, entre as decisões do TC e a espiral recessiva.”
Ao longo do que resta do ano, ao ler, ver ou ouvir, as inúmeras noticias e peças informativas que darão conta aos cidadãos sobre a “derrapagem das contas” ou o “agravamento do défice” que a execução do OE 2013 inevitavelmente irá revelar, lá estarão os falhanços de Vítor Gaspar e as suas previsões, como justificação esses desvios. No entanto, já para não falar no fraco desempenho que a economia europeia veio a revelar face ao antecipado, se as “sombras constitucionais” sistematicamente determinam que nenhum Orçamento de Estado com a assinatura de Gaspar “veja a luz do dia” tal como foi concebido, fará sentido, será justo, este rótulo de “falhado” num País onde, até tempos recentes, défices anunciados de 3% se revelavam superiores a 10%?
Abstraiam-se dos rótulos, pensem nos sucessivos governantes que nos trouxeram até aqui e perguntem-se: estaríamos pior ou melhor, se outros “brilhantes” Ministros das Finanças, se enganassem como o “falhado” Gaspar?…
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