Jornalismo
Política para quê? -- palestra a convite do Centro Acadêmico
Na segunda, dia 18, fiz uma palestra no contexto de atividades sobre "Política para quê?", organizadas pelo Centro Acadêmico da Cásper. Imagino que muitos não tenham tido a oportunidade de participar, então copio abaixo o texto que estruturou minha fala. Fiquem à vontade para enviar comentários!
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Política para quê?
Segunda-feira, 18 de agosto de 2014
João Alexandre Peschanski
Faculdade Cásper Líbero
Existe uma lei férrea em disputas eleitorais: os sistemas eleitorais determinam as estratégias partidárias. De maneira sucinta, disso decorre que as regras do jogo, aquilo que se usa para computar votos e transformá-los em poder, influenciam o modo como partidos e eleitores tomam suas decisões. A interpretação forte dessa lei é que todos os resultados eleitorais podem ser explicados pelos resultados de votações. É uma posição insustentável, mas o que ela sugere é que sairá vencedor aquele que for o mais apto a aproveitar as oportunidades e evitar as ameaças do jogo político. A disputa eleitoral nessa interpretação forte resume-se a um jogo de videogame em que os candidatos, nem sempre com as mesmas capacidades iniciais, competem e ganha aquele que for o mais apto em, se você estiver jogando Angry Birds, recuperar seus ovos roubados por porcos verdes. Nessa visão da política angry-birdiana, todos os candidatos são qualitativamente equivalentes, pois seu perfil político é decidido de antemão pelas regras do jogo e o ator individual, partido ou eleitor, importa pouco.
No mundo como ele é, dizer que as regras eleitorais determinam as estratégias de partidos e candidatos apenas sugere que tais regras limitam o escopo da política, geram incentivos e desestímulos aos atores que se envolvem nas eleições. Há outros fenômenos que importam. A legislação eleitoral, como o exemplo da Ficha Limpa, modifica a dinâmica do jogo pelo voto. A importância do cargo importa: vocês não votam a partir dos mesmos cálculos para representante discente ou síndico de seu prédio e para presidente da República. Qual será que importa mais? Acontecimentos que abalam a vida social modificam resultados esperados. O Datafolha de hoje dá a Marina Silva em empate técnico com o Aécio Neves no primeiro turno e com a Dilma no segundo turno, a dias do trágico acidente com o Eduardo Campos. Os caminhos que levam candidatos a tomar o poder, por mais que sejam limitados por algumas balizas eleitorais, são ainda relativamente incertos. O jornalista Renato Essenfelder, que tem uma coluna semanal no Blog do Estadão, publicou hoje uma crônica sobre um passarinho que cai a seus pés, morto, num dia qualquer, de vento e a morte, esta sim inescapável, é também espaço de poesia, onde se vive o paradoxo de ser impossível planejar a vida e enlouquecedor não planejar a vida. A vida assim é, obrigado ao cronista, mais poética do que o Angry Birds!
O que me interessa discutir aqui, nesse seminário “Política para quê?”, é entender nesse sistema de determinações a importância de programas políticos, de propostas a serem debatidas, no contexto da disputa eleitoral. O que me interessa portanto é saber até que ponto os candidatos, nos jogos por votos, são efetivamente portadores de propostas –o contrafactual é que propostas não fazem mais parte da disputa política (uma posição difícil de defender) ou que propostas mudam de acordo com as oscilações da disputa por votos, ou seja, não são um efetivo programa de governo, mas chamarizes de eleitores, aquilo que chamamos por esse sofisticado conceito “promessas de campanha”. Vou principalmente colocar o foco nos partidos que entram nas disputas para ganhar naquele pleito, por mais que haja outras motivações a participar de pleitos, como dar visibilidade a um projeto, fazer agitação ou até mesmo criar um plano de médio ou longo prazo para vencer uma votação futura.
A primeira resposta a meu questionamento precisa obviamente olhar para o jogo que está sendo jogado. E, preparem-se, estamos todos sendo convidados a jogar simultaneamente vários jogos nas eleições de 2014. Para a escolha de presidente e governador, vamos jogar o sistema majoritário em dois turnos. O que decide a eleição aqui é a maioria absoluta, onde o eleito precisa obter mais de 50% dos votos válidos (excluídos brancos e nulos). Vão para o segundo turnos os dois candidatos mais bem votados no primeiro turno, se nenhum deles tiver atingido o patamar de 50%+1 votos válidos. Para a escolha de senador, vamos jogar o sistema majoritário relativo, onde é eleito aquele que obtiver a maior votação em um único turno. Essa regra faz com que provavelmente elejamos um candidato que recebeu uma minoria dos votos. Os principais candidatos à disputa pelo Senado no Estado de São Paulo têm mais ou menos um terço das preferências eleitorais, por exemplo. Para a escolha de deputados, vamos jogar o complicado sistema proporcional de lista aberta. Nesse sistema, os votos são nominais e o ordenamento das listas partidárias é definido por quem for o mais votado de cada legenda. Há outras determinantes no modo de funcionamento desse mecanismo de eleição que o tornam um dos mais complexos do mundo. Ou seja, quando você votar para deputado federal ou estadual estará no nível avançado do joguinho.
As eleições majoritárias, especialmente as de um só turno, tendem ao dualismo de partidos. Os custos associados a entrar numa eleição majoritárias são altos: basicamente, se você conseguir muitos votos, quase a maioria, que seja 70 milhões de votos –o colégio eleitoral brasileiro tem 141 milhões de pessoas –, você perde tudo. Diante desse risco, há uma tendência a aqueles que querem disputar para ganhar organizarem-se em grandes blocos partidários, como coligações. Para o eleitor, isso pode estimular um tipo de comportamento avesso ao desperdício do voto, ou seja, votar naqueles que podem ganhar. Tanto para o lado do eleitor quanto para o do candidato isso gera uma relativa independência entre a estratégia na eleição e o programa. O eleitor não quer “perder” seu voto e, nesse sentido, tende a votar naquele que for o menos pior do ponto de vista de suas preferências. O eleitor pode ser um ativo militante em prol da legalização irrestrita do aborto –ter essa bandeira como definidora de seu comportamento –e, se não houver um candidato que abrace com a força com que ele abraça essa bandeira, ele provavelmente optará por aquele que mais se aproxima disso ou que menos se afasta dessa bandeira. Como não temos todos apenas uma bandeira, isso exige um exercício não trivial de decodificação das opções partidárias , que, algumas teorias mostram, somos geralmente capazes de fazer. Para o candidato, que realmente queira vencer, a regra da maioria é dura para o que é de seus programas políticos. Estes tendem a ser estrategicamente revisados, até certo limite, para conseguir adaptar-se às condições da maioria eleitoral que eventualmente poderia votar em mim. De que adianta eu me dizer a favor da descriminalização do uso de algumas substâncias atualmente consideradas ilícitas, como a maconha, se uma parcela importante do eleitorado –importante demais na minha estratégia para vencer o pleito –for contra essa política? A posição esperada de candidatos nesse contexto é abdicar de suas posições em busca de uma estratégia que visa à captura do “eleitor mediano”, um eleitor ideal cujas características sintetizam o centro das preferências do eleitorado. O eleitor mediano pode ser 72% radicalmente corinthiano (o que evidencia que ele tem bom gosto) e 48% defensor da ampliação dos direitos sociais, mas também 43% machista e 65% propenso a se entusiasmar com a violência a populações indígenas. É esse ser multifacetado, estranho, que todo candidato que queira ganhar a eleição tenta identificar –o que não é algo fácil e certeiro –e convencer; se o fizer, ganhou!
A votação para o Senado, majoritária e em um turno, é talvez a na qual a pasteurização programática que sugere a captura do eleitor mediano seja a mais óbvia. No caso de 2014, deve ser um fenômeno interessante, já que os dois principais candidatos, aqueles que entram para vencer o jogo, são políticos fortes, muitas vezes identificados a tipos de programas e terão justamente de deslocar-se para o centro. As eleições presidenciais são um pouco diferentes, já que pode haver um primeiro turno em que haja mais discussão programática –o que é potencializado quando se há três partidos, enfraquecendo o quase-consenso sobre as grandes diretrizes da políticas dos principais partidos –e um segundo turno em que vale a dureza da captura do eleitor mediano, onde quem parecia de esquerda no primeiro turno tem de coligar-se com a direita, na estratégia da vitória.
A regra do jogo das eleições parlamentares favorece a existência de muitos partidos, muitos candidatos que eventualmente jogam para ganhar. O Brasil adota um sistema complicado –e não é desprezível o fato de as pessoas votarem e até disputarem esse tipo de pleito sem saber de fato todas as regras e até as pessoas votarem como votam como forma de rejeitar a complicada fórmula eleitoral. Nosso sistema estabelece algumas barragens, que favorecem os partidos mais votados, o que poderia limitar a fragmentação. Na prática, não ocorre bem isso. O Brasil deve ter trinta e dois partidos com candidatos para deputados, incluindo o Partido Ecológico Nacional (PEN), que não pode ser confundido com o antigo PAN (Partido dos Aposentados da Nação). Não vou entrar em detalhe no modo como as vagas nas Câmaras são decididas –até porque essas regras mudam bastante (até alguns anos atrás, os votos brancos e nulos contavam no cálculo do quociente eleitoral, o que criava alguns casos surpreendentes) –, mas há vários detalhamentos disponíveis na internet, em especial uma descrição em sete operações –operações de cálculo! –distribuída por um Tribunal Regional Eleitoral (http://www.tre-pe.jus.br/eleicoes/calculo-do-quociente-eleitoral), com o gentil intuito de simplificar nossas vidas. O quociente eleitoral que mencionei acima é um limite mínimo que os partidos devem atingir para serem considerados como aptos a ter vagas parlamentares.
O eleitor que queira computar um voto válido em uma eleição parlamentar tem duas opções. Ou vota em um candidato individual ou vota em uma legenda. O voto no Brasil é, de todo modo, muito individualizado e as bancadas eleitas acabam sendo o resultado de muitos bons resultados individuais, de políticos competitivos. Para o candidato, cria-se um problema: ele precisa distinguir-se de outros candidatos em seu partido e de outros partidos. Há uma tendência à repulsa em torno de um programa político de partido –uma vez que a disputa é individualizada e o candidato está solto para agir como indivíduo no pleito não há estímulo ao desenvolvimento de plataformas programáticas. Os partidos são bem descritos como confederações de candidatos, onde cada um luta por si só e tenta estabelecer favorecimentos a um grupo de eleitores que seja suficiente para elegê-los, sem de fato se preocupar com discussões mais abstratas e programáticas. Há também uma tendência a escolher puxadores de voto apenas minimamente competentes para assumir o bom desempenho da condução política do país, como vedetes duvidosas e pessoas com difusão midiática. Na perspectiva do eleitor, torna-se difícil deixar de votar em alguém, achando que esse candidato tem poucas chances de vencer. Mas também se torna difícil demais, custoso demais, votar em alguém.
A descrição das regras do jogo eleitoral, que se tornam ainda mais complexas se imaginarmos que, ocorrendo simultaneamente, tais regras podem interagir entre elas (o que é um tema controverso na ciência política), leva-nos a um cenário bastante pessimista em relação às possibilidades de votos programáticos no Brasil, isto é, votos que realmente expressem um diálogo de ideias construtivo acerca de nosso projeto de sociedade e nação. Como agir se nosso objetivo for o de uma política de melhor qualidade, vinculada a aumentar o bem-estar geral de nossa vida nesse território, aprofundar a democracia entendida como a capacidade de influenciar decisões sobre temas, clivagens com os quais eu me importe? Política para quê, nesse cenário de pasteurização e disputa rala?
Por um lado, pode-se pôr em pauta uma modificação das regras eleitorais para que estas estejam mais de acordo com uma concepção robusta de democracia, onde participamos das decisões que nos afetam e há mecanismos que estimulem a participação e a boa decisão política. O que está em questão aqui é uma reforma política, visando a um aprofundamento democrático. Interessantemente, essa questão, que envolve uma mudança potencialmente mais abstrata, mais macropolítica, está na ordem do dia antes mesmo das eleições. Há uma campanha de movimentos sociais tradicionais que organiza para a Semana da Pátria, em setembro, um plebiscito por uma Assembleia Constituinte, basicamente a criação de um instrumento institucional para mudar as regras do jogo das eleições. Para além dos problemas que coloquei em torno da questão do programa, nosso modelo eleitoral está sujeito a todo tipo de desvio, como a influência excessiva do dinheiro privado. A campanha pela Assembleia Constituinte tem um site com bom material explicativo e de agitação ((http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/) e deve contar com uma mobilização na Cásper. A discussão de mudanças nas regras do jogo é um caminho para resolver os problemas de apolitização e consequentemente o déficit democrático de nossas eleições.
Por outro lado, o que fazer para colocar-se em prol de uma política propositiva, não meramente competitiva, nas eleições tais quais elas são? Há correntes que pregam o voto nulo ou branco como forma de descontentamento. Há sempre fantasias sobre a possibilidade de anular uma eleição se o quórum desses votos for alto; a legislação eleitoral não prevê essa possibilidade. No fim das contas, o voto nulo ou branco acaba favorecendo a mesmice da competição pelos votos válidos. Há correntes que pregam o voto irresponsável, no nanico, pelo simples fato de ele ser pequeno, ou no esdrúxulo, pelo simples fato de todos serem palhaços mesmos. O descontentamento nesse sentido intensifica a despolitização –e a ideia de aprofundar a democracia, o objetivo da política, é justamente o oposto: é preciso politizar, no sentido de fomentar espaços de discussão de propostas e programas. Uma saída moderada para o primeiro turno em eleições de dois turnos e para as eleições proporcionais é adotar a estratégia politizadora, votar no candidato dentro de um partido/coligação que apresentar as melhores propostas, dando visibilidade e agito ao fato de seu voto ser programático, exigindo detalhamentos, exigindo mecanismos de prestação de contas, não necessariamente de que a proposta vai ser posta em prática –muitas vezes isso não depende apenas do eleito –, mas que guiará a atuação do candidato se eleito e fará de seu mandato um espaço de disputa por essa proposta. Mas o que fazer no voto para o Senado? Num eventual segundo turno? São situações mais difíceis e mais difíceis de serem resolvidas pelos limites das regras. No entanto, os candidatos tenderão, como vimos, a buscar o centro do eleitorado e uma solução é mobilizar-se para deslocar o centro do eleitorado para mais perto daquilo que você acredita ser o certo: o protagonismo politizador fica então em suas mãos. Isso é evidentemente difícil, mas é um pouco menos difícil com a possibilidade de estabelecer contatos e discussões de maneira mais barata com as novas tecnologias.
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