“Portugal não é a Grécia.” Não é, mas estivemos a caminho de o ser…
Jornalismo

“Portugal não é a Grécia.” Não é, mas estivemos a caminho de o ser…



Já cansa o tema Grécia, não é verdade?

Melhor, cansa a forma como o tema é debatido, principalmente, a demagogia e a chantagem emocional presentes em qualquer discussão sobre o tema...
 
Toda esta discussão é assente em equívocos:
Ninguém (à exceção dos gregos, claro) está realmente interessado em “salvar a Grécia”. O que está em causa é a guerra político-partidária entre os que “cavalgam” as políticas anti austeridade e os que tiveram - não por opção, mas por necessidade - de as implementar. Para o comprovar, veja-se a contradição de partidos como o BE na questão da dívida da Madeira Vs dívida da Grécia.


A narrativa dominante na agenda mediática estabelece uma relação causa / efeito entre as “políticas europeias de austeridade” e a crise atual. No entanto, isto é uma falácia. A atual crise é, essencialmente, a primeira manifestação da implosão do modelo social europeu em virtude da globalização.

E aqui podemos começar a debater algo que verdadeiramente importa: duas décadas depois de se ter iniciado uma massiva deslocalização da produção da Europa Ocidental para Leste, para o Oriente, Norte de África, etc., terão os países europeus feito as necessárias reformas para se adaptaram à nova realidade?

Considerando o modelo redistributivo do Estado Social vigente nos países da CE e, designadamente, a pressão demográfica, ainda há quem acredite que estes modelos seriam sustentáveis sem essas reformas? Basta pensar no seguinte: há 30 anos existiam 4 contribuintes para 1 beneficiário, brevemente, poderemos ter uma quase igualdade entre contribuintes e beneficiários!

Uns países, Alemanha à cabeça, prepararam-se e foram implementando reformas. Controlaram a despesa pública e adotaram outras medidas a pensar nesse embate. Há cerca de 10 anos, enquanto alemães congelavam salários e introduziam reformas sociais, outros assumiam mais responsabilidades e despesas futuras sob o lema "há mais vida para além do défice"…


A Grécia não é “um país da zona Euro como outro qualquer ”. A Grécia é o paradigma dos países que se recusaram a enfrentar essa realidade!

Não foi a austeridade que produziu a crise grega. O Estado grego quando, em 2010, foi negociado o 1º resgate, já contava com uma economia privada muito débil face a um sector público centralizado que era um monstro disfuncional…


By JOHN SFAKIANAKIS, a Greek economist.
The expansion of Greece’s huge government sector took decades to create, but its growth in recent years has been particularly striking. Public employment grew by fivefold from 1970 through 2009 — at an annual growth rate of 4 percent, according to a recent academic study by Zafiris Tzannatos and Iannis Monogios.. Over the same four decades, employment in the private sector increased by only 27 percent — an annual rate of less than 1 percent.

According to the Organization for Economic Co-operation and Development, in some government agencies overstaffing was considered to be around 50 percent. Yet so bloated were the managerial ranks that one in five departments did not have any employees apart from the department head, and less than one in 10 had over 20 employees. Tenure ruled over performance as the factor determining pay.

Wages in the public sector were on average almost one and half times higher than in the private sector. Government spending on public employees’ salaries and social benefits rose by around 6.5 percentage points of G.D.P. from 2000 to 2009, while revenue declined by 5 percentage points during the same period. The solution was to borrow more.”


Mas o que atrás é referido aplica-se aos funcionários públicos contabilizados...
 
"The review was released by Administrative Reform Minister Dimitris Reppas, showing that there were 636,188 civil servants in permanent employment, 49,546 on back-up duty and another 20,242 working in other capacities in a country of 11 million population. The number could be closer to 1 million, other analysts have said, counting workers in agencies such as the railroads, energy and other public sectors that weren’t accounted for."


programa de resgate que pudesse salvar um país com este grau de disfuncionalidade? 

Quando a austeridade chegou, a Grécia já estava num "ponto de não retorno"
A dependência da atividade económica na Grécia em relação ao sector público era brutal, muito maior que a admitida no desenho dos programas da Troika. Esse erro de diagnóstico – que é essencialmente responsabilidade dos gregos - explica o facto de  os cortes no Estado terem, entre outros efeitos, feito disparar o desemprego para 25% (o valor real será bem superior…).
 
Na realidade, significativa parte da economia designada por “privada” era também sustentada pelo Estado. Era este o verdadeiro empregador de muitos trabalhadores do “sector privado”… o que teve um efeito terrível em termos de procura interna, quebra de receita fiscal, aumento de despesa pública, etc.. 

Embora em menor grau, o mesmo erro de diagnóstico sucedeu em Portugal, com o desemprego a disparar (de forma inesperada) para 18%,.. lá, como cá, quantas empresas viviam, quase exclusivamente, das câmaras municipais, das empresas publicas, das relações privilegiadas com este ou aquele organismo público?

Recordar a economia "pseudo-privada", já aqui referida.

Aliás, estes dados de evolução do desemprego, talvez sejam o verdadeiro indicador do peso do sector público em ambos os países. E, também em ambos, esse peso era substancialmente superior ao admitido. Na verdade e fruto do modelo de desenvolvimento seguido nas décadas recentes.


Ironicamente, a crise de 2008, pode ter sido o que salvou Portugal…
Este diagnóstico de “Estado disfuncional” também se aplica a Portugal. Felizmente (há males que vêm por bem...), fatores externos, vieram por um travão no crescimento desmesurado nosso sector público e, involuntariamente, por em causa o modelo de desenvolvimento até aí seguido. A nossa “grecização”, chamemos-lhe assim.


Note, Atenas, conta com cerca de metade da população grega, sendo aí que se concentra a esmagadora parte do seu sector público, onde se concentra o emprego disponível e, portanto, onde está sedeada a atividade económica (ainda) existente. À sua volta existem montes e cabras.


Se olharmos ao trajeto que Portugal veio trilhando nas últimas duas / três décadas, designadamente, o contínuo crescimento do sector público mas, tão ou mais importante, a crescente centralização dessa estrutura em Lisboa. Se pensarmos no efeito âncora que essa desmesurada estrutura pública exerce em termos de absorção de cada vez mais serviços, mais empresas e, logicamente, mais população (oriunda do resto do País onde os sectores produtivos mais tradicionais foram sendo progressivamente abandonados), o que seria de esperar quando o financiamento - em virtude do acumular de uma dívida insustentável, após anos sucessivos de défices públicos em torno dos 10% - cessasse?


Outras diferenças (felizmente para o nosso lado…) existem entre os dois países – nível de corrupção, fuga ao fisco, “jobs for the boys”, etc. -, mas, se a crise financeira de 2008, porque veio fechar a torneira de financiamento ao Estado português, não tivesse vindo por um travão a esta espiral de centralização e crescimento do peso do estado, quantos anos mais seriam necessários para atingir um grau de disfuncionalidade semelhante ao da Grécia e, provavelmente, um equivalente “ponto de não retorno”? 



Na região de Lisboa vive cerca de 1/3 da população portuguesa.

“Portugal não é a Grécia!”
Não é, mas estivemos a caminho de o ser…

Esta era "a" questão que gostava de ver debatida em Portugal: o que temos de mudar em termos de modelo de desenvolvimento para não cair na situação grega.


Ainda mais quando parece que muita gente não aprendeu a lição e acha que os problemas e crise pela qual passamos se resolve com mais investimento e despesa pública
 
 

 



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