Bandido até que se prove o contrário
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Bandido até que se prove o contrário


Novembro de 2002: Hanry Silva Gomes de Siqueira, 16 anos, pobre, negro e morador de favela, foi assassinado no Morro do Gambá, Complexo do Lins e Vasconcelos no Rio de Janeiro, com um tiro no peito.Versão dos policiais: por volta das 19:40h os policiais foram recebidos a tiros por bandidos na favela, houve “intensa troca de tiros” com “marginais” posicionados na parte alta do morro.
Hanry foi encontrado baleado no peito, com um revólver e trouxinha de maconha ao lado. Sua morte foi registrada na 25ª DP como “auto de resistência” (morte em confronto com a polícia). Confronto entre policiais e bandidos é uma situação retratada freqüentemente nos veículos de comunicação. O que não é comum é a mãe do “criminoso” ao longo de 06 anos tentar provar a inocência do filho e denunciar os próprios policiais pelo crime.
Márcia de Oliveira Jacintho, mãe de Hanry, terminou o 2º grau, entrou na Faculdade de Direito e, com uma máquina fotográfica e um gravador passou a conduzir sozinha a investigação. Enfrentou a burocracia e a má vontade do poder judiciário. E encontrou as provas: no dia, não houve tiroteio, fato confirmado por várias testemunhas; um dos laudos periciais comprovou que Hanry foi morto com tiro disparado próximo a ele e de cima para baixo; a prova encontrada contra o rapaz é o chamado “kit bandido”, caracterizado como um revólver e trouxas de maconha implantados pela polícia para justificar a execução. Com isso, no dia 02/09/2008 os PM’s foram julgados e condenados a nove anos de prisão.
História como a de Hanry não é exceção. A morte em confronto, em especial em favela, é tratada como legítima defesa pela polícia, mesmo quando as evidências apontam o contrário. De janeiro de 2006 a abril deste ano, 2.895 pessoas morreram supostamente enfrentando a polícia no estado do Rio de Janeiro, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP). Este ano, de janeiro a abril, foram 492 casos - quatro mortos por dia ou um a cada seis horas. Quantos são inocentes? Quantos têm mães que buscam os verdadeiros os culpados?
O que mais incomoda é tentar entender por que histórias como estas não se destacam? Como explicar o silêncio da imprensa diante de tal fato? São atitudes como a de Márcia que não devem ser esquecidas. Uma coragem que serve de exemplo contra a repressão imposta pelo poder público não merece apenas uma “nota de esclarecimento”. Acredita-se que os leitores se interessam pelo aprofundamento e acompanhamento de acontecimentos libertadores como o exposto acima.
Talvez o que falte mesmo é o empenho da mídia em se inteirar dos fatos e incentivar tais ações no espaço midiático. Enquanto uns casos são lembrados, outros caem no esquecimento, ainda mais se a pessoa em questão for pobre, negra, moradora de favela, enfim, um bandido, até que se prove o contrário.
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Referências
AQUINO Ruth de. A mãe coragem do Morro do Gambá. Revista Época. Rio de Janeiro, n. 539.
O GLOBO. Informações falsas emperram investigações sobre mortes de inocentes.
REDE CONTRA VIOLÊNCIA. Hanry Silva Gomes de Siqueira - Complexo do Lins.

(Jaqueline da Silva Torres Cardoso)



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