alguns são mais iguais do que outros
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alguns são mais iguais do que outros


George Orwell: "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros"

poderia passar a pauta para algum colega da imprensa pernambucana, mas optei por comentar aqui no blog e esperar as reações - espero que haja, e muitas! isso porque o tema envolve, mesmo que bem indiretamente, dois grandes anunciantes locais, e não sei se chegaria a reverberar nos veículos destas paragens. provavelmente, não.

o tema é até (quase) inofensivo, mas não por isso desimportante. a ele, pois:

na zona norte do recife, no bairro de casa forte - local que fez história num episódio da resistência ao domínio holandês, no século 17, hoje um dos mais caros metros quadrados da capital -, há um caso sui generis de civilidade. ao contrário de todas as outras regiões da cidade, existe uma faixa de pedestres que é respeitadíssima pelos veículos. não há um só pedestre que, ao se aproximar dela, não se depare - estupefato, muitas vezes - com os automóveis parando quase que instantaneamente.

a faixa de pedestres em questão fica exatamente entre dois grandes estabelecimentos comerciais. um hipermercado (Hiper Bompreço, do grupo Wal-Mart) e um shopping center (Shopping Plaza). na maioria das vezes, quem a atravessa está se dirigindo a um dos centros de compra.

não que as lojas tenham algo a ver, diretamente, com isso. mas convencionou-se, entre os motoristas e pedestres, que aquele espaço é mais privado do que público. tal como as 'ruas' dos shoppings são limpas e organizadas, e ninguém joga lixo no chão, aquela faixa é rigorosamente respeitada. pois que o domínio do uso, ali, é quase que essencialmente privado, território dos consumidores. não dos cidadãos.

como a relação é de consumo, e não de cidadania, a 'civilidade' se expressa. apontem-me as faixas de pedestre respeitadas nas capitais brasileiras. aqui no recife, não conheço nenhuma - com exceção da 'faixa privada', é claro.

numa comparação emblemática, a faixa de pedestres localizada defronte ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal, utilizadíssima pelos pacientes e funcionários do lugar, é quase apenas uma marca no chão. mas como dói, poderia dizer o poeta de Itabira. ninguém respeita.

já parei o carro para que um senhor cheio de ataduras, provavelmente recém-operado, passasse, juntamente com uma gestante de gravidez bem adiantada que também esperava para atravessar a avenida. fui xingada pelos motoristas que vinham atrás. sonoramente xingada.

a dupla - o idoso e a gestante -, sem acreditar que alguém havia, finalmente, se disposto a parar, hesitou por longos instantes. e atravessou a passos rápidos, com medo de um atropelamento.

quem dera nossa civilidade ante a propriedade privada valesse também nas estâncias públicas. quem dera alguns não precisassem ser mais iguais do que outros.



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