Jornalismo
Da esquizofrenia das palavras dos homens aos seus actos...
Muito se tem falado sobre aqueles que, a propósito da contestação às medidas de austeridade adotadas pelo atual governo, invocam para os seus discursos e suas ações reivindicativas, a defesa dos “mais pobres e desfavorecidos”. Mais concretamente, temos de questionar: até que ponto, aqueles que diariamente vemos na comunicação social em permanente manifestação, representam efetivamente os interesses dos “mais vulneráveis” ou se representam algo mais…
“O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, disse que o «direito de manifestação» está «consagrado» em democracia, mas lembrou que «os mais pobres» não se manifestam e «não aparecem na televisão».”
Para além de membros ligados ao Governo, também este artigo de César das Neves veio “por o dedo na ferida” e suscitar alguma polémica:
“Em Portugal não há manifestações de mendigos, miseráveis e necessitados. São antes os remediados, que se consideram carentes, que fazem as exigências em nome dos silenciosos”,
“Boa parte da retórica de contestação baseia-se neste mal-entendido, em que burgueses passam por infelizes. Entretanto, os verdadeiros desgraçados, mudos como sempre, ainda têm de ouvir os muitos aproveitamentos do seu nome”
O ponto é o seguinte: entre o que as medidas de austeridade são efetivamente – nomeadamente, o seu grupo alvo e o seu impacto -, e o que na agenda mediática é referido sobre elas, existe uma diferença substancial?
Este ponto, para alguns, pode parecer de somenos importância, mas não esquecer que, por discrepâncias menores, já alguns ministros foram apelidados de “mentirosos” e se exigiu a sua demissão!
Também já aqui no blog, este assunto foi abordado, por ex., neste post de Janeiro de 2012 sobre a alegada inconstitucionalidade dos cortes nas pensões:
“Que hipocrisia vai neste País… tantas palavras sobre solidariedade, tanto discurso sobre a necessidade de protecção dos “mais desfavorecidos”, precisamente por aqueles que permitiram - pelos seus actos de governação e/ou de omissão - se cavasse mais fundo o fosso entre os mais ricos e os mais pobres.
E a sacrossanta Constituição que, de nada serviu enquanto isso aconteceu, vai ser agora reabilitada para impedir que as pensões mais elevadas sofram cortes!
Em resumo, o processo em curso [declaração de inconstitucionalidade dos cortes] terá a seguinte consequência: os detentores dos rendimentos mais baixos – recorde-se que 90% das pensões em Portugal são inferiores a 1.000 € - serão chamados a cobrir o aumento de despesa ditado pela inconstitucionalidade dos cortes nas pensões dos 10% mais ricos!”
Este caso das pensões talvez seja mais evidente: faz sentido passar a ideia que todos sofrem cortes, quando as medidas afetam menos de 10% desse público alvo? Ao passar esta ideia aos portugueses, não se está a “mentir aos portugueses”?
Objectivamente, num país onde o salário médio ronda os 700 €, a pensão média não chega aos 500 € e, desde 2008, centenas de milhares de portugueses contactaram com a realidade do desemprego, será verdade que este conjunto de cidadãos tem sido poupado aos cortes, ou o inverso?!.
Claro que estes cortes estão a criar sérios problemas a uma classe media que nos últimos 2 anos tem visto o seu rendimento baixar mas, voltando à questão do início do post: até que ponto, aqueles que diariamente vemos na comunicação social em permanente contestação, representam efetivamente os interesses dos “mais vulneráveis” ou se representam algo mais…
Vejam-se dois exemplos da “esquerda republicana”: Mário Soares e Manuel Alegre.
Sobre o 1º, ainda há dias, neste post, se transcreveu uma parte do mais recente artigo, onde Soares invoca o “povo empobrecido” e as muitas "pessoas que passam fome” para que se insurjam e se revoltem, contra os actuais governantes em função da despesa com os automóveis e as “viagens que fazem permanentemente com os seus amigos e assessores”.
Ora, atendendo ao que conhecemos do Sr. Soares, nomeadamente, em matéria de despesa com viagens nos seus mandatos de PR, em matéria de utilização de recursos públicos para os seus projectos (Fundação e outros), no que custa aos contribuinte portugueses em termos de segurança privada (pessoal e suas habitações), motorista, carro topo de gama, etc., etc..
Atendendo, não às palavras mas aos seus actos, esta pessoa será a melhor habilitada para ser a “voz” dos mais desfavorecidos?
Sobre Manuel Alegre: são várias as entrevistas onde o histórico socialista vem falar em “nome do povo e dos mais pobres”. Aqui, por exemplo, denuncia a “desvalorização salarial e o desmantelamento do Estado Social” intencional por parte do actual governo e remata: “o mais grave é que isto a desvalorizar-nos como povo, País e nação”.
No entanto, quando se constata que alguém que fala assim “em nome do povo”, mas simultaneamente e já em plena crise financeira, foi um dos deputados que decidiu pedir subvenção vitalícia, passando a acumular duas pensões do Estado, obviamente, suportadas pelos contribuintes:
“A receber uma reforma de 3219 euros como aposentado da RDP, Manuel Alegre irá receber agora uma subvenção vitalícia superior a dois mil euros mensais.”
Voltamos a perguntar: Atendendo, não às palavras mas aos seus actos, esta pessoa será a melhor habilitada para ser a “voz” dos mais desfavorecidos?
Entretanto, facto que nunca vi referido nos telejornais das 20h e que, em vez de palavras revela “acção”, o que se poderá inferir - a partir desta atitude -, acerca da personalidade e carácter daquele que é o inimigo público n.º 1 dos “trabalhadores e dos mais pobres”?
“Pedro Passos Coelho é um dos únicos deputados em 37 anos de história da Assembleia da República que rejeitou a reforma vitalícia a que tinha direito pelo exercício do cargo. Isto foi em 1999”
Ficará ao critério de cada um avaliar que interesses estão em jogo…
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