Jornalismo
Jornalismo é remix
C
ultura remix, a ascenção do copia e cola
por
Leonardo Foletto e Marcelo De Franceschi*
A tal da recombinação não é nenhuma novidade, muito menos no jornalismo. Tanto nas técnicas empregadas quanto na dita produção de seu conteúdo, o processo jornalístico se caracteriza por ser múltiplo e heterogêneo. Um sem número de produções, sejam elas grandes reportagens ou pequenas notícias, já foram feitas tendo como base estudos e pesquisas realizadas nos mais diversos campos do saber. Ou seja, apresentações de novas informações, decorridas das transformações naturais, reajustadas às informações previamente existentes.
Como diz Nilson Lage, professor aposentado da UFSC e das figuras que mais entendem de jornalismo nesse país, a própria natureza do jornalismo requer recombinação. “Vejo o campo jornalístico como um campo próprio para a reutilização de conhecimentos de outros campos. Ele toma das ciências o que lhe convém”, disse o mestre em seu twitter (que vale e muito a pena acompanhar, www.twitter.com/nilsonlage). O jornalismo, comumente um saber do imediato e do singular, não tem condições de usar, de maneira aprofundada, o vasto e atemporal conhecimento das ciências. O tempo em que ele é praticado não permite essa extravagância, por assim dizer, muito embora deva se buscar ao máximo esse objetivo sempre que for possível.
O jornalismo toma das ciências aquilo que lhe é possível aplicar no tempo em que é feito. E esse possível é nada mais que uma pequeníssima parcela da filosofia aqui, uma outra da lingüística ali, um tantinho da lógica, outro tento de história e uma parcelinha de geografia (outras áreas podem ser utilizadas, a depender do assunto tratado; essas são as mais comuns). É do “remix” dos prévios conhecimentos dessas áreas combinados com a matéria-prima da qual vive o jornalista – a informação da atualidade - que vai ser produzido aquilo que sempre costumamos chamar de jornalismo.
A constante interpretação e atualização da informação já existente, e agora digitalmente mais acessível, tem se intensificado em frequencia, e ao mesmo tempo em desafio. É o que apontam outros pesquisadores e profissionais do jornalismo. Marcelo Trasel, professor da PUC-RS, cobriu via Twitter as palestras que assistiu durante o 1º Simpósio Internacional de Jornalismo Online. Durante uma delas, a do diretor de integração e especialista em bases de dados do iG, Rubens Almeida, Trasel disse, com algum sentido, que um dos desafios do jornalismo hoje é “atualizar dados em matérias antigas, que ficam disponíveis via buscadores” (#sijol sábado, 29 de maio de 2010 10:22:01 via Seesmic).
Com todas as reportagens, notícias e opiniões possíveis disponíveis na internet, a maior dificuldade do(s) jornalismo(s) existente(s) parece ser a de tornar este emaranhado de informação e opinião em algo singular. Algo que seja ao mesmo tempo atrativo ao leitor e importante para a sociedade. Que seja novidade, mas que também não se restrinja só em ser a mais-nova-informação-da-última-hora, e sim que traga um mínimo necessário de aprofundamento. O que, por sua vez, evitaria o afogamento na hipernovidade desprovida de qualquer sentido, um dos males tão ordinários hoje em nosso cotidiano recheado de links e esvaziado de significado.
Uma das formas que o jornalismo tem para usar a seu favor nestes tempos ultramodernos é, justamente, a recombinação. Se existe tanta coisa assim para nos informar e nos deixar perdido, então que aproveitemos esse contexto ímpar na história para o cruzamento enlouquecido de informações. Que com isso se busque significados que vão além da superfície e que se rompa as amarras da última novidade para propor uma ligação firme com a vida presente de cada um.
Para o jornalismo, a recombinação vale não só para a busca de informação exclusiva, ainda e por muito tempo só obtida através de fontes confiáveis, mas também para o cruzamento da informação que todo mundo tem com as mais variadas possíveis bases de dados. É claro que para isso acontecer um monte de outras coisas devem aparecer (formação adequada para o tratamento com bases de dados, informações públicas mais disponíveis e abertas a todos, iniciativas e financiamento para um trabalho jornalístico independente) e desaparecer (o preconceito de muitos com o maravilhoso mundo da informática, o comodismo das redações tomadas pelos critérios mercantis de noticiabilidade, a condição de assédio moral tomada como praxe em muitas redações).
Com tudo isso acontecendo (ou não), quem sabe não passamos a pensar na idéia que o escritor William Gibson trouxe num texto para uma edição da revista Wired (que posteriomente foi publicado no BaixaCultura): A gravação, e não o remix, é a anomalia hoje. O remix é a verdadeira natureza do digital. Em outras palavras: é a essência da comunicação dos nossos tempos. Nos arriscamos a dizer que o remix seria tão “natureza” do digital que nem mais haveria de existir uma distinção entre o próprio registro (objeto) e a recombinação (um processo). Tudo seria (e não é?) recombinação.
* Editores do http://baixacultura.org, página que concentra suas atividades na informação, divulgação e discussão de conceitos, acontecimentos e propostas ligadas à cultura livre.
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