Justiça "à portuguesa"
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Justiça "à portuguesa"



 
Muito bem, este caso em que o ex-autarca de Barcelos (eleito pelo PSD) vai ser julgado pelos negócios ruinosos contratados na sua gestão.

Neste caso trata-se da concessão, a uma empresa privada, dos serviços de distribuição de água e recolha de águas residuais (saneamento). Basicamente, a acusação fundamente-se na circunstância de o contrato conter “... cláusulas "estranhíssimas" e assentar em estimativas de consumo "completamente irrealistas". Essas estimativas apontavam para que "cada habitante de Barcelos consumisse, em 2010, 138 litros de água por dia, quando o consumo se fica em cerca de 70 litros.”

Obviamente e mesmo com as melhores projecções, estes riscos associados a evoluções futuras, são impossíveis de eliminar. Mas o que torna estes contratos lesivos para o Estado, decorre do tratamento dado ao risco daquelas estimativas. Por exemplo, neste caso, o risco está associado à evolução futura do volume de água a vender, que tem relação directa nas receitas a encaixar pela concessionária. 

Em resumo: se se vender água acima do estimado, o privado terá mais receita o que aumenta o retorno do investimento. Caso as vendas evoluam abaixo do estimado, sucede o inverso. 

Mas, que foi feito? O Sr. Autarca assinou um contrato que, basicamente, diz assim: caso não se verifiquem as estimativas constantes no contrato, o Município – isto é, os contribuintes – pagam a diferença. Ou seja, elimina completamente o risco do concessionário… e, na prática, garante margens de lucro ao privado à custa dos recursos do Estado – ou seja – os nossos impostos. 

Este caso, em que alguém com responsabilidades na gestão a “coisa pública”, vai ser julgado pelas suas decisões de gestão, é o único do tipo que conheço.

A pergunta é: porque só este Sr. é arguido quando tantos outros contratos – alguns de milhares de milhões de euros – foram feitos exactamente nos mesmos moldes, com as tais “cláusulas estranhíssimas" e assentes nas mesmas estimativas completamente irrealistas?! E não é que todos os erros resultam num benefício do privado e prejudicam o Estado... que coincidência!...

Temos de perguntar: porque só o Sr. que foi governante local - lá na província em Barcelos -, vai a julgamento, enquanto vários outros governantes nacionais que assinaram contratos de milhares de milhões de euros como as SCUT (parece que estava previsto passarem lá o triplo de carros), o Aeroporto de Beja (no comments...), o Metro Sul do Tejo (um errozito de 40% na estimativa de passageios), ou o TGV (recorde-se que chegou a ser assinado um contrato do troço Caia - Poceirão), não são constituídos também arguidos?! Será que o Sr. lá de Barcelos só vai a julgamento porque não frequenta os círculos adequados da capital?...

Note-se que alguns dos "contratos socraticos", como veio a público, foram alvo de um chumbo do Tribunal de Contas, mesmo assim, as obras avançaram e foram incluídas cláusulas nos contratos que (supostamente) tornam praticamente irreversível a sua alteração / anulação.

Aliás, estes casos, para além do montantes muito mais elevados, são ainda mais graves que o caso do autarca de Barcelos porque documentos oficiais afirmam. preto no branco, “o Tribunal de Contas foi enganado e só por isso autorizou a construção de seis parcerias público-privadas, lançadas pelo anterior Governo.”

O mesmo Relatório do Tribunal de Contas (aprovado por unanimidade) refere ainda “Nenhuma destas obras podia ter arrancado sem visto do Tribunal de Contas, que foi recusado à primeira tentativa em cinco concessões, com um argumento simples. Entre o concurso e os contratos finais o Estado assumia um prejuízo ilegal de 705 milhões de euros.

A Estradas de Portugal, contudo, endereçou um segundo pedido de visto. Mas, garantem os nove juízes, só teve sucesso porque escondeu ao Tribunal de Contas informação financeira essencial, relativa a contratos paralelos celebrados entre os bancos financiadores, as construtoras privadas e a própria empresa pública, denominados acordos contingentes, que não foram submetidos a visto do Tribunal de Contas."

E a Comunicação Social, tem tratado estes casos com o destaque que os mesmos merecem?
 
Num País que está continuamente a indignar-se porque os “poderosos escapam sempre", porque “os políticos não são responsabilizados”, não é estranho que este assunto, assim como o que veio a público durante o Freeport, o Face Oculta, a Cova da Beira, o TagusPark e, sabe-se lá mais o quê!, seja votado ao esquecimento?  
 
E o “Povo” português? Será que estes Srs., pelo que fizeram, não seriam mais merecedores das serenatas ao som da Grândola Vila morena”? É que estão a trabalhar activamente para os colocar no poder muito mais cedo que eles achariam possível…

Um País assim, merece salvação?







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