Títulos vs Corpo de notícia: um tratado de manipulação
Jornalismo

Títulos vs Corpo de notícia: um tratado de manipulação



Como no caso presente, são muitos os exemplos de notícias cujo título tem um intuito claro de desviar atenções ou induzir o leitor numa conclusão, que até pode ser contraditória com a “verdade” da notícia em si.
 
Este título, escolhido para noticiar o encontro PPC / Hollande, é exemplar do jornalismo manhoso e manipulador que temos. O título, para quem não ler a notícia e atendendo lenga-lenga dos "defensores da austeridade" vs "defensores do crescimento", que domina a agenda noticiosa em Portugal, leva alguns a concluir que Hollande fez uma crítica à governação de PPC, quando se trata do inverso, elogiou-a.
 
As críticas referem-se à gestão ”pré-troika”, ou seja, a governação socialista de Sócrates.
 
Elogioso em relação aos resultados do programa de ajustamento em Portugal, o Presidente François Hollande disse esta tarde, no Eliseu, numa conferência de imprensa conjunta com o primeiro-ministro Passos Coelho, que Portugal não é um exemplo a seguir no combate aos défices e no controlo da dívida…
Põe-me a questão de saber se a França poderia seguir o exemplo de Portugal... Não! Porque os níveis da dívida não são comparáveis, porque as situações económicas são diferentes... mas é porque queremos evitar chegar a essas soluções [de cortes nos salários, nas pensões...] que é preciso encarar o problema o mais rapidamente possível e o mais eficazmente possível", explicou o Presidente Francês. "Eis a razão pela qual nós mesmos, em França, reduzimos o nosso défice, controlámos a nossa dívida e fizemos o esforço da competitividade... é melhor tomar as medidas antes porque, quando se espera demasiado, elas podem ser extremamente dolorosas""
 
Se um título deve resumir (ou pelo menos tentar...) o corpo de uma notícia, deveria ser algo do género:

“Hollande critica Sócrates e elogia Passos Coelho”

Mas não, o Sr. Jornalista com uma foto de Hollande e Passos em fundo, preferiu o “Hollande diz que Portugal não é exemplo a seguir”.
 
Esta notícia e respectivo título, são também um bom exemplo de como muitos leitores, por ficarem apenas pela leitura do título, se deixam manipular por este jornalismo manhoso.... Não raras vezes, em conversas de café, por ex., e na sequência de algo que leram / ouviram na comunicação social, é frequente ouvir pessoas, com a maior das certezas, afirmarem ideias completamente contraditórias ou desfasadas da realidade do assunto em questão (nunca vos aconteceu?). Por vezes, tratam-se pessoas sem o mínimo de bom senso, fanáticas, irracionais, mas - descartando esses casos - há também os casos em que essas ideias assentam em muita desinformação que circula nos mídia. O blog já referiu casos destes, aqui por exemplo. 

Neste caso e para ilustrar como as pessoas são facilmente induzidas, vejam-se algumas reacções do “cidadão comum” a este mesmo título da notícia do Expresso, que transcrevo de redes sociais. Estes comentários (alguns verdadeiras pérolas …) só podem ser feitos por alguém que apenas leu o título da notícia e vive sob a influência do contexto criado pelo espaço noticioso que nos é servido diariamenete.

Sábio A: “grande chapada no bom aluno, no modelo de capacho que temos como 1º ministro...grande Hollande!”;
 
Sábio B:“AHAHHAHAHAHA Toma la Passos Coelho !!!!”,ou;
 
Sábio C:“Percebeste ó sho Passos? Es burro que nem um calhau...”

Obviamenete, depois de "levarmos" durante meses com o Dr. Seguro e a sua proximidade com as teorias “virtuosas do crescimento” de Hollande, por oposição às teorias “más da austeridade” de PPC (e Merkel) e num contexto de constante ataque ao actual governo, a escolha deste título só pode levar os mais distraídos a concluir que o recado do “Portugal não é exemplo a seguir”, seria certamente dirigido a Passos.
 
Porque se esconde a crítica de Hollande aos socialistas?! Isto é Jornalismo sério, a quem serve este frete? E, já agora, não é jornalisticamente relevante ir questionar Seguro sobre a (nova?) posição de Hollande!? Então, depois de os Srs. Jornalistas andarem meses à volta do "Salvador Hollande", de “Hollande, o crescimentista”, não acham que estas suas declarações, onde sublinha a importância do controlo da dívida e do défice, não são importantes!?
 
Será que alguém, vai colocar ao Dr. Seguro a seguinte questão:

“Como reage às palavras de Hollande, onde deixou críticas à gestão socialista e elogios à governação de Passos Coelho?"

Eu aposto que não…
 
 



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